segunda-feira, 21 de março de 2011

De Lete - A Lagoa Após o Deserto



Corpo quente, alma exausta. Mente seca. O olhar sem direção reflete um horizonte completo, uma paisagem cheia de idéias. Perfeita, inteira. O calor da liberdade conquistada enche as veias. Latente, o sangue grita, pelo luto da vontade, late o instinto. Clama a alegria, o animal, o mais inferior dos sentimentos. Pede, oferece, enche os olhos, ameaça, impõe. Teima o desejo de sorrir. tenta. No deserto, não tentarás teu deus. Sou um deus. O deus de meu vôo e passeio (particular). Prevalece a razão, liberta.
A cada vontade de voltar, surgem as marcas das correntes pelo corpo, que ainda não cicatrizou. E a vontade, como toda boa (-) vontade, se reduz a devaneio. Segue o passo, esquece o rumo. Submete-se a vida do sonhador a provação, a privação. O querer abafado nas pegadas. E a cada passo vai tornando-se precioso, rei de si. Jóia lapidada, como ouro que caminha no calor pra se afirmar. O deserto e o fogo vão, a cada fadiga, tornando a alma e seu tesouro mais autênticos. Mais verdadeiros, se é que há a verdade.




O caminho é pessoal. Alguns voltaram, outros correram, outros pararam, outros morreram. Morreram sem saber bem o que queriam, e deixaram suas pegadas para gerações mais ousadas. Gerações fortes, e frias. Frias para neutralizar o deserto, e chegar mais longe. A elas foi guardado o azul. No desenho do horizonte cores de esperança. Esquentam-se as almas, na velocidade de passos largos e firmes. Pegadas espaçadas. Sonho aproximado. Os traços cedem ao riso. Riso tímido, úmido, das crianças que aprendem a brincar de caça aos monstros no escuro enquanto o sono não chega. Os pés deixam os sapatos, e pedem licença ás areias próximas. Descobrem que as marcas deixadas no chão desértico são, na verdade, fruto da re-acomodação dos grãos de areia. O pé contesta, o solo cede, e muda de idéia pra deixar as humanidades passarem. E vai se fazendo mais próxima, mais real, a lagoa. Sua imagem vai remontando as lembranças escondidas pelo surto de informações dos jovens pensadores. Até o momento em que a mente é só lembrança, tudo é tomado e devastado.
A poucos passos do sonho azul o coração volta a pulsar. A sede, já insustentável, sente o peso da revelação, e deseja, por um minuto, nunca ter conhecido nada. Enfim toca a água. Gelada como um coração racional. O conforto assusta a mente desacostumada a descansar. Pondera os perigos dessa lagoa, que mostra-se tentadora. Sua maneira de seduzir põe a prova o concreto racional. Vai persuadir o corpo a pensar com o coração, com a carne. Promete diluir a angústia, angústia do não-motivo. A aflição conhecer tanto a ponto de não conhecer nada. O que fazer agora com os velhos manuscritos? Pode o fogo destruí-los? Pode a água diluí-los? Destilar as vãs soluções de um mundo impossível. 
Palavras perdidas nesse azul. Deixadas à beira por alguns instantes. Instantes incríveis. Pequenas doses de ignorância. Doses de esquecimento. De-lete. Saciar a sede de ser menor, de ser pouco, de ser apenas honesto. A sede que a própria inteligência tem de zombar da burrice da carne. 
Cai então o pobre homem na lástima que é ser feliz. Nada como nunca nadou. Nada muito. Nada de novo. Mais do mesmo. Bebe a água necessária para momentos ilusórios. Toma o esquecimento em sua própria fonte. Sacia-se.
O segredo da dose certa de quanTo beber (ou não) é impossível. A cada gole um esquecimento, uma tranca, uma corrente. A cada corrente, uma vontade de nadar nela, e de ficar ali. Kripto desEjo. Um passo para Trás, uma sombra a mais, mais um dia na caverna. Mais um dia sem a luz, mais um dia no escuro. Imaginando seus monstros, seus Heróis e seus mEdos. OBsessivo por essa arte de ir e voLtar, qUe o fascina cada vEz mais. Parar, correr, sem Ir a Lugar aLgum. No azul dessa lagoa, refazer suas rasas e doces vontades. O exército contra-ataca.


Arthur Sampaio

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